26 out Lasar Segall mora ao lado
Vejam só que privilegio o meu – ser vizinha de Lasar Segall. Sim, moro a duas quadras da rua onde Segall, por longos anos, viveu e trabalhou. Uma casa cheia de luz, estilo modernista e um belo jardim. Se não fosse uma diferença de sessenta anos que separa os seus últimos anos de vida e a minha mudança para São Paulo poderia facilmente encontra-lo caminhando pelas ruas da Vila Mariana ao lado de sua amada Jenny Klabin.
Esse artista lituano que adotou o Brasil como sua nova pátria se encantou com a imensidão de cores, a diversidade de paisagens e raças de nossas terras. Em determinado momento, ele descreveu: “ O Brasil revelou-me o milagre da luz e da cor”. Milagre era realmente o que Segall precisava para lidar com as dificuldades que encontraria ao retornar à Europa após sua visita ao Brasil em 1913 para uma exposição de suas obras. Nesta época, a Europa era um verdadeiro barril de pólvora. Tinha tudo contra ele e nada a seu favor. Sua terra natal, a Lituânia, havia sido invadia pela Rússia czarista de forma que o seu passaporte lhe qualificava como cidadão russo, nação inimiga da Alemanha, que por sua vez era país onde se encontrava exatamente neste momento. Somando-se a tudo isso ele era judeu e sua raça tendia a ser alvo de ódio e perseguição em uma curta sequencia de fatos e além do mais, era um artista o que era considerado principalmente pelo exército imperial como um desocupado.
E foi justamente assim que ele foi parar no campo de concentração. Passou por essa experiência sofrível durante dois anos. Até que em determinado momento, alguém com poder de decisão e um pouco de sensibilidade percebeu que ele era apenas um revolucionário das tintas e que tinha um passado limpo dedicado apenas às artes plásticas. Liberado retornou para Dresden na Alemanha.
Após uma década, Segall encheu uma mala de roupas, expectativas, pincéis, algumas obras e desembarcou mais uma vez no Brasil, agora ao lado de sua primeira mulher – Margarete. Aqui, separou, casou-se de novo, fixou residência e sua alma.
Desde a primeira vez que tive contato com a obra de Segall a achei infinitamente triste. Tenho sempre a impressão que ele tinha uma necessidade quase biológica em mostrar o homem com um ser não humano, mas em processo de humanização. Envolto em mazelas, misérias, dramas e tramas que são tecidas continuamente ligando os fios que contribuem de alguma maneira para a evolução da humidade. Vejo isso no olhares expressivos, cansados e perdidos dos imigrantes, nas casas pobres, na criança em pratos pela mãe morta, no seu sentimento sobre a guerra, nos ambientes depressivos e cores que nos remetem à penúria, no olhar vago do marinheiro e da prostituta e melancolia da moça que penteia suas madeixas.
Já o artista, questionado sobre a tristeza tão presente em suas obras, costumava responder que suas pinturas possuíam uma “Alegria elevada, não a alegria superficial que se opõe à tristeza”. Foi aí que tive a certeza que para digerir Segall é preciso olhar para trás e para frente. Conhecer o seu passado para buscar as nuances de como a história de sua vida permeou o seu imaginário artístico e como tudo isso forjou sua expressividade nas telas. Em outra vertente, olhar para frente, pois em sua essência modernista é eternamente atual. Duvida? É só trazer para hoje sua frase “… alegria superficial que se opõe a tristeza” tão presente nas redes sociais.
Uma das últimas vezes que quis visitar as obras de Segall dei com a cara na porta. Queria levar dois amigos lá no Museu, mas estava fechado para reforma. Esse processo durou quase dois anos e só agora em setembro de 2015 o Museu Lasar Segall foi totalmente reaberto. A exposição para celebrar esse acontecimento foi “ Mario de Andrade e seus dois pintores: Lasar Segall e Candido Portinari”. Que trio.
Na exposição, a obra de Segall e Portinari, é abordada pelo prisma crítico de Mario de Andrade que mantinha uma relação de admiração, pessoal e de estudo com esses dois artistas. Todas as críticas, opiniões de Mário norteiam a seleção de obras que são acompanhadas pelos seus comentários. É uma pena, mas essa exposição já foi encerrada, mas até novembro de 2015 ainda dá para ver uma exposição superbacana Cárceres a duas vozes: Piranesi e Ana Maria Tavares.
Já a próxima exposição com as obras de Segall tem data para início em 07/11/2015 e vai até 04/07/2016 e foi intitulada como Segall/Brasil. Trazendo a temática sobre o Brasil em momentos distintos nas obras do pintor.
E no final ainda dá para tomar um cafezim no jardim que antes era a casa e atelier – hoje o Museu Lasar Segall.
Fotografia: Exposição Mario de Andrade e seus dois pintores: Lasar Segall e Candido Portinari – Cárceres a duas vozes: Piranesi e Ana Maria Tavares.
Museu Lasar Segall
aberto de quarta à segunda
das 11h às 19h
Rua Berta, 111 São Paulo SP
(11) 2159 0400
Entrada gratuita
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