Sabor com Letras | O que que a Bahia tem? Comida gostosa, gente boa e algo a mais.
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O que que a Bahia tem? Comida gostosa, gente boa e algo a mais.

27 dez O que que a Bahia tem? Comida gostosa, gente boa e algo a mais.

Com um roteiro amorosamente desenhado por uma amiga portuguesa, Helena, desembarcamos (eu e minha mãe) em Salvador.  Fomos imediatamente transportadas a um universo de sabores, cheiros e cores que só imagino por essas terras.

O itinerário traçado nos levou a experiências que iam desde atrações turísticas vulgares até sítios que só quem viveu e conviveu por pelo menos dois ciclos solares na cidade e tem feição por andanças e comilanças tem autoridade para indicar.

Praia da Barra – Salvador | Pescadores

Virginiana com ascendência em eventualidades, não me apoquento quando o acaso se faz presente. Não sou afeita a pagodes, mas também “Deixo a vida me levar”.

E a vida me levou ao Cadê Q´ Chama? Esse restaurante batizado com uma expressão muito comum na Bahia faz jus ao nome ao servir comida caseira em seu cardápio. Não é simplesmente uma comida regional e sim comida feita por mãe. Literalmente. Dona Norbelia é a mãe de Alex Carmo. Ela comanda a cozinha e nos faz acreditar que comida é aconchego, olhar atento ao outro, esperança e Jorge Amado. Tudo junto e misturado.

Cadê Q´Chama| Rua do Carmo, 21 – Santo Antônio Além do Carmo Salvador/ BA +55 71 98637  8873

A cargo de Alex, fica o garimpo dos melhores ingredientes, a decoração do espaço e o sorriso ao receber os convidados. Sim, convidados e não clientes. O restaurante é a extensão da casa da família Carmo que por sinal tem sede na rua com o mesmo nome.

Alex em um processo de desconstrução da própria história retornou à casa na Rua do Carmo depois de ter trabalhado em empresas no Rio de Janeiro e São Paulo. Decidido a cumprir sua nova missão de criar o Cadê Q´Chama transformou a sala de casa em salão. Paredes perderam o reboco e a construção original ficou à mostra. Uma mesa de madeira rústica foi colocada para incentivar as pessoas a sentarem juntas, mas também como uma estratégia para atender mais pessoas no pequenino espaço.

A empreitada deu certo. Em pouco tempo, teve que ampliar e para sorte de seus convidados há mais quatro mesinhas com forro de chita em cores vibrantes para aguçar o paladar com as iguarias de Dona Norbelia.

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Cadê Q´Chama | Dona Norbelia e Alex Carmo

A comida é de verdade, sem frescuras. Nada de ingredientes nobres. Aqui os protagonistas são a qualidade, o equilíbrio e a sensibilidade. O trivial que emociona e nos leva a lugares com cheiro da cozinha de vó. A essência está na composição dos temperos. Nada é agressivo. O dendê harmoniza tão perfeitamente com o peixe e o coentro que nos faz perceber cada coisa em seu lugar. Tudo como notas encadeadas em uma bela canção de Caymi.

Sem segredos ou malabarismos para agradar o cliente. Ao contrário, as receitas em forma de oração são declamadas ali no salão se você perguntar como ela faz para deixar frango empanado tão crocante. Dona Norbelia responde com ares de mestre  “Farinha integral, minha filha”. Deixando espantado até o próprio filho que não sabia da técnica. Indicações de onde e como fazer uma farofa com a Farinha de Copioba e todos os ingredientes da Roupa Velha (comida feita com as sobras de feijoada e outros ingredientes) de um jeito diferente de todos os outros logradouros da cidade.

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O carro chefe fica por conta da Moqueca (R$ 60,00 – serve duas pessoas), mas convive em plena conformidade com receitas com frango, bistecas, feijoadas, carnes e cozidos de várias formas. Destaque também para o Frango Empanado e Carne de Panela (R$ 35,00 – serve duas pessoas). Tudo acompanhado por arroz, feijão preto e uma saladinha de alface fresquinha, rodelas de tomate, temperada com limãozinho e preço honesto.

Com o roteiro de Helena em mãos, segui em frente e fui me apaixonando cada vez por essa cidade.

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Mercados e Feira: Visitamos o Mercado do Rio Vermelho, Modelo e a Feira de São Joaquim. O Mercado Modelo e a Feira de São Joaquim são lugares bem tradicionais. Vale a visita, mas não tive coragem de comprar nada por lá. Preços turísticos em relação ao artesanato e a Feira de São Joaquim é um ambiente caótico com carnes expostas e muitos tipos de farinha em sacos abertos. Ficamos encantadas, mesmo, foi pelo quiabo. Este faria a Roberta Sudbrack abrir um sorriso de alegria. Graúdo, verde e fresco. Daria um bela quantidade de caviar de quiabo e em minhas terras vários tachos de frango com quiabo. Nham Nham….

A Farinha de Copioba foi uma descoberta pra mim. Essa farinha tem uma textura fininha que combina com praticamente tudo. Um pouco de manteiga na panela, farinha e uma pitada de sal. Come-se pura. Simples assim.  Há inúmeras marcas e encontra-se até no supermercado, mas seguindo as indicações do Alex comprei em um mercadinho na Rua Direita em Santo Antônio Além do Carmo.

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Mercado do Rio Vermelho, o antigo Ceasinha, é um lugar fantástico para conhecer frutas que só se vê no nordeste. Tudo impecavelmente limpo e bem embalado. É possível comprar também à granel. Sapoti, Caju maduríssimo, Umbu , Jambo Vermelho, beijus de milhares de sabores (de tomate seco à goiaba) e claro, todas as pimentas que sua imaginação e paladar permitirem.

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Tem uma banca de chocolate AMMA  produzido com cacau de uma fazenda que fica Itacaré e a fábrica em Salvador. O produto é orgânico e tem uma acidez e aroma singulares. É possível encontrar o chocolate aqui em São Paulo, mas nada como ir direto à fonte – a partir de 5 unidades cada barra é R$ 10,00 e por aqui R$ 18,00

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Casa do Rio Vermelho | Rua Alagoinhas, 33 | Cozinha Afetiva de Jorge e Zélia

Um passeio maravilhoso e que não consta em muitos guias turísticos. Foi inaugurado apenas há dois anos e apesar de ser um sonho de Zélia Gattai, infelizmente, ela não conseguiu ver o projeto pronto. Esse foi o último endereço em que Jorge Amado viveu com Zélia. Passei horas por lá. A casa foi transformada em um museu em que você percorre cada ambiente para conhecer a história deste casal. Uma casa clean, cheia de obras de arte, com uma decoração em que tudo conversa com tudo, com direito a uma cozinha afetiva e um jardim encantado. Embaixo de uma mangueira, ele adorava receber os amigos, namorar e se inspirar. Ali foram espalhadas suas cinzas. A mangueira não resistiu ao tempo – há apenas o seu tronco acolhendo os dois banquinhos que ele gostava tanto de sentar. Prova que a vida é formada de ciclos, tristes, alegres e não necessariamente nesta mesma ordem.

Sentada na cozinha é possível conhecer a ligação da comida, afeto e sensualidade na obra de Jorge Amado. Uma das perguntas feitas no documentário é: Porque um autor dá de comer e beber aos seus personagens? Uma das respostas possíveis é porque comida é vida. Os personagens de Jorge são vivos, cheios de defeitos, qualidades e vontades. São humanos. Outra forma é pensar que ele alimenta pessoas que na vida real não têm tanto acesso à comida e no mundo do autor podem se refastelar com iguarias imaginárias.

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Cada cantinho da casa transborda arte. Jorge e Zélia eram amantes do convívio e fizeram muitos amigos. Destaque para uma de suas frases: A amizade é o sal da vida. Muitos destes amigos eram artistas e intelectuais. Cada vez que a gente olha para um lugar vê uma escultura, pintura e livros. Destaque para o prato original de Picasso na sala de estar.

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Solar do Unhão – MAM: No Solar do Unhão vi um pôr do sol arrebatador. O lugar é divino. Banhado pelas águas da Baía de Todos os Santos. Os matizes de laranja parecem saídos de uma paleta de cores escolhidas por Zeus. O lugar é considerado um dos principais locais de arte contemporânea da Bahia. Abriga o MAM (Museu de Arte Moderna-BA). O museu conta uma galeria ao ar livre (o Parque das Esculturas) e uma sala de cinema. Eventos culturais de diferentes linguagens e ações educativas e artísticas fazem parte da programação que vão desde show de jazz a oficinas de artes para criançada.

Ênfase para a exposição Só Cabeças. Uma mostra que traz o olhar de artistas de várias gerações que segundo a curadora consiste numa mistura que remete a quermesse ou confraria. O tema trabalhado de forma obsessiva por alguns e despretensiosa por outros,  mostra a maneira ímpar que cada artista interpreta o assunto. O resultado é uma montagem divertida, leve e provocativa que vai do chão ao teto ultrapassando o limite que nossa cabeça possa imaginar.

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Aqui o moderno harmoniza perfeitamente com o antigo. O conjunto arquitetônico datado de meados dos anos de 1600 abriga também uma capela e o Restaurante Gastronômico que no passado era uma senzala. O lugar transborda história. No piso é possível ver trilhos colocados pelos escravos para facilitar o transporte de mercadoria até o pier. Se tiver a sorte poderá ser agraciado pela oportunidade de sentar em uma mesa na janela em frente ao mare ver esse por do sol com uma brisa morna batendo no rosto. Foi uma das experiências mais bacanas que tive na cidade, se tivesse que escolher alguma, já que todas foram excelentes. Comida boa, arte e paisagem. Trilogia que seduz e entrega além da expectativa.

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Praias – As praias são um espetáculo à parte. A Praia da Barra, onde ficamos hospedadas, é bem localizada, segura e bonita. Não gostei das opções de alimentação. Preços altos e qualidade questionável. O Farol da Barra foi o primeiro forte a ser construído no Brasil. Teve como objetivo criar uma resistência em relação a invasão dos holandeses em nossas terras. Vale a visita. A paisagem é linda e possui um acervo de objetos náuticos interessante.

A Praia do Forte que abriga o projeto Tamar vale a visita em função do conceito. Parafraseando Helena – É um local bem turístico e que aos finais de semana fica extremamente cheio. Comemos um espetinho de frango e linguiça calabresa com Farinha de Copioba e saladinha de comer de joelhos. Acreditem R$ 6,00 o prato. O sorriso da Márcia essa baiana linda da foto nos motivou a experimentar o Bolinho de Estudante. A experiência valeu mais pelo dedo de prosa com ela que pelo bolinho. Muito doce e cheio de gordura, mas que provavelmente seja assim mesmo em outros locais, características inerentes à receita. R$ 5,00 a unidade.

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Pelourinho e região: O Pelourinho não é mais o mesmo. Que bom! Há 15 anos estive em Salvador e fiquei bem incomodada com o assédio dos vendedores e artistas de rua. Pediam dinheiro para tudo e nenhuma baiana podia ser fotografada sem que recebesse algum din din em troca. A abordagem chegava a ser agressiva e inibidora. Dessa vez, o que se percebe é uma aproximação sem insistência e delicada. Um alívio.

Igrejas: Visitamos a Igreja do Senhor do Bonfim e a Igreja do Carmo.  Assistimos uma missa na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Foi uma vivencia fantástica, independentemente de crenças religiosas, vale a pena pela energia e o pelo aspecto cultural. Sempre às terças-feiras, acontece a missa com sincretismo entre a umbanda e o cristianismo. A missa é toda marcada por batuques de instrumentos africanos e cânticos alegres. Os santos são negros e a arquitetura mistura referências africanas, indianas e estilo rococó. A construção da igreja levou quase todo o século 18 para ser concluída – ela foi erguida pelos membros da Irmandade de Nossa Senhora dos Homens Pretos do Pelourinho, escravos que só podiam trabalhar na obra em seus momentos de folga. Padre Lázaro é muito carismático e com um discurso de não violência, abordando principalmente a postura das pessoas em mídias sociais. O ponto alto da cerimonia pra mim foi quando várias pessoas entraram na igreja cantando com cestos de pães nas mãos em oferenda. A dança típica do candomblé marcava o ritmo. Um dos devotos caminhou de joelhos até o altar.

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Ladeira do Carmo: Fechando ciclo, voltei ao Cadê Q´Chama para experimentar a moqueca. Isso tudo poucas horas de pegar o  avião. Não poderia viajar sem retornar ao restaurante para comer essa delícia.

A Ladeira é a ligação entre o Pelourinho e o bairro Santo Antônio Além do Carmo. Lá conheci a Igreja do Carmo e o Convento Pestana do Carmo. O primeiro hotel de luxo em um prédio histórico do Brasil. Alguns espaços do hotel são abertos ao público. O antigo convento é lindo e cheio de história. Estava acontecendo a Exposição Olhar Criativo e Sustentável. Os tecidos utilizados para confeccionar as roupas foram reaproveitados dos uniformes dos operários que trabalharam na reconstrução do estádio Arena Fonte Nova para a Copa do Mundo. Ainda, na Ladeira, há umas comidinhas super gostosas, como por exemplo, no Poro Bar e Restaurante. Decoração delicada, pratos com um identidade e sabor e serviço atencioso. Experimente o Pudim de Tapioca – delicioso.

O algo a mais em Salvador fica por conta da gente de lá. Tivemos a sorte de encontrarmos pessoas prestativas, como o Marco e Késia que nos acompanhou até as proximidades do Mercado Modelo quando perceberam que eramos turistas e estávamos na Cidade Baixa, uma zona um pouco mais perigosa na cidade. O João – mtorista do Uber nas horas vagas e que atua com publicidade e mídias sociais.  Ele foi super simpático conosco nos dando dicas preciosas. Fez com que o acaso fosse uma boa surpresa e ainda nos levou na Sorveteria do Ribeira. A Guida a moça que trabalha na Casa do Rio Vermelho que ficou toda arrepiada ao nos indicar um livro sobre Jorge Amado escrito por de Zélia e Paloma (filha do casal) para levarmos de lembrança para casa e outras pessoas que foram tão gentis durante o nosso percurso e fez dessa viagem uma experiência afetiva.

 

1Comment
  • Helena
    Posted at 15:27h, 09 janeiro Responder

    Querida Adriana

    Voltei a Salvador com você! Percorri todos esses lugares que fizeram parte da minha vida e que nunca esquecerei.
    Lembrei das pessoas também, os donos das bancas dos mercados, da funcionaria da casa do Jorge Amado, dos pescadores do Rio Vermelho, das moças da Amma e até de figuras do pelourinho.
    O solar de Unhão também é um dos meus lugares mágicos.
    Adorei o seu post , quem sabe um dia fazemos uma viagem juntas?
    Beijo grande com saudades.

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